Datas: 13.07 a 25.07.2023
Horário: 19 às 21 horas
Investimento: Gratuito
Este será um curso sofisticado, inovador: um projeto inédito em que temas fundamentais à aplicação do direito serão debatidos de maneira única. O projeto foi desenvolvido para explorar a interseção entre o processo civil e a arbitragem. De um lado, existem críticas razoáveis no sentido de o Código de Processo Civil ser excessivamente rígido, pela dificuldade de as partes ajustarem o procedimento para a resolução de disputas complexas. De outro, a arbitragem é criticada pela sua falta de parâmetros, pela imprevisibilidade em relação ao procedimento. Veremos que o procedimento arbitral, em especial a instrução probatória, é largamente influenciada por práticas internacionais, cada qual com a sua origem. Todas as influências, ao que parece, também estão abertas a interpretações e aspectos culturais dos profissionais do Direito que as aplicam em cada caso. Quer dizer que, mesmo a arbitragem seguindo normatividade própria, em considerável medida estranha àquela contida no Código de Processo Civil, as suas normas aceitam influências diretas das práticas domésticas no que se refere à instrução probatória.
Mais do que isso, a produção de provas acontece na zona de interseção entre direito material e processual. As teses de direito material são essenciais para a distribuição do ônus e para a construção de cada tipo de prova, sejam os quesitos em uma prova pericial, as perguntas em uma inquirição ou a segmentação de trechos dos documentos. Não se trata apenas de como as provas serão produzidas, mas também de por quê elas são produzidas.
O curso foi desenvolvido precisamente a partir deste conjunto de premissas. A equipe de coordenação, por exemplo, é formada por experientes profissionais, rising stars da arbitragem brasileira, cada um, no entanto, com um perfil próprio: João Lessa é um renomado advogado e árbitro brasileiro, mestre e doutor em processo pela USP, professor e autor de uma das principais obras contemporâneas sobre instrução probatória; Pedro Martini é mestre por Berkeley e com uma experiência ímpar por conta de sua década de atuação em um escritório americano; Natália Lamas é sócia de um dos principais escritórios de contencioso estratégico do país, árbitra e mestre por Sorbonne (França) com relevantes textos publicados sobre arbitragem. Além disso, Lucas Mendes e Joaquim Muniz são renomados arbitralistas e comercialistas brasileiros, sócios de escritórios de primeiríssima linha na área do contencioso complexo – além de organizadores dos principais cursos de arbitragem do país.
O curso, portanto, será um mergulho no mar revolto da instrução probatória. Serão aulas com conteúdo inédito: temas nunca debatidos no país. Trataremos da relação de poder entre julgador e parte, e dos limites à valoração dos árbitros e juízes. Falaremos sobre formas de controle da prova e como buscar eficácia na relação entre os diferentes tipos de prova. Prepare-se, será histórico e inesquecível: um ponto de divisão entre passado e futuro.
Aula 01 – Teoria geral: ônus da prova e livre convencimento motivado
Os profissionais brasileiros estão profundamente acostumados com a distribuição do ônus da prova tal qual contido no CPC: cada parte é responsável pelo que alega. Esta, no entanto, não é a prática em países de common law, que parece mais preocupada em garantir que as partes tenham um mínimo de paridade no acesso às provas relevantes para a solução do caso, podendo apresentar seus argumentos e defender seus direitos adequadamente.
Por partirem do pressuposto de que certas informações de uma parte poderão ser entregues à outra parte para garantir paridade entre as partes, as práticas internacionais também estão atentas às noções de privilégio de informações, querendo dizer que determinadas informações podem ser afastadas do domínio de terceiros, aí incluídos a contraparte e o tribunal arbitral. Acontece que a dinâmica de privilégios – bem como as suas exceções – são fundamentais em disputas comerciais: poucos são aqueles que têm conhecimento das dinâmicas da operação e, de um jeito ou de outro, encontram-se conflitados na disputa.
Quer isso dizer que as práticas internacionais, a despeito de partirem de principiologia estranha à doméstica, entregam soluções eficientes para disputas complexas. A primeira aula do curso debaterá temas como esse: práticas enraizadas, intuitivas ao profissional brasileiro, que, expostas a outras, parecem ceder espaço a novas ideias e formas de lidar com a instrução probatória.
Aula 02 – Limites e controle sobre a prova testemunhal
A prova testemunhal é reconhecida, no Brasil, como uma prova de qualidade inferior, em alguns âmbitos, e como a rainha da prova em outros. Há, ainda, países com forte tradição oral, como é o caso de países da tradição de common law, em que técnicas de litigation e de cross-examination são muito comuns. Há quem defenda que a prova testemunhal deve permitir que cada parte exerça suas melhores técnicas de persuasão para tirar desse meio de prova o melhor proveito para a sua tese. Há, por outro lado, quem afirme que a prova testemunhal é um meio de prova altamente passível de contaminação, estando sujeita a diversos fatores de perda de confiabilidade.
Afinal, quais os limites e como trabalhar com a prova testemunha?
Esta aula possuirá marcante importância prática, uma vez que apresentará duas vertentes bastante opostas. Sabendo-se do amplo uso da prova testemunhal e dos diversos estudos que demonstram a limitação da própria memória humana – isso sem contar os limitadores de linguagem para tornar tal conhecimento útil ao caso -, discutir-se-á sobre qual é o verdadeiro potencial da prova testemunhal para demonstrar as hipóteses fáticas que serão objeto de decisões entre aqueles envolvidos no caso. É necessário ter cuidados com a prova testemunhal? Quais as fragilidades desse meio de prova? Quais técnicas de litígio são e não são aceitáveis? Em quais casos a prova testemunhal pode e deve ter influência determinante no resultado da demanda?
Aula 03 – Limites e autoridade na prova pericial
A relação entre os operadores do direito com a prova pericial é complexa: por um lado a criticam porque excessivamente cara e demorada; por outro, a caracterizam como uma etapa fundamental ao convencimento do julgador.
Mais do que isso, a tradição jurídica brasileira confere amplos poderes ao perito: ele é indicado segundo a confiança do julgador, ele pode pedir documentos e ouvir pessoas. E, ainda, a metodologia contida no CPC acaba por fazer da perícia um procedimento apartado ao julgamento em si: o perito interage apenas com os assistentes técnicos; o laudo pericial é produzido e criticado fundamentalmente por tais agentes. A própria dinâmica dos quesitos tende a afastar as partes em suas teses, em posições diametralmente opostas, conferindo um amplo espaço decisório para o próprio perito. É um contexto, como se percebe, de hiper-empoderamento do perito e de perda de controle das partes sobre o caso.
As práticas internacionais são muito diferentes. A perícia, na lógica de tais práticas, parece representar um tipo de prova residual: ela depende de premissas de direito e de premissas de fato obtidas por meio das provas documentais e testemunhais. Há modelos, inclusive, que desconsideram a utilização de quesitos: cada parte contrata o seu próprio perito independente, que, primeiro, apresentará um laudo e, depois, será ouvido em audiência. Uma dinâmica oposta àquela praticada no Brasil: o poder fica nas mãos das partes, cabendo aos advogados a demonstração da relevância do conhecimento técnico para o julgamento do caso. Como se percebe, trata-se de um modelo em que a prova técnica é incorporada aos outros tipos de prova para o julgamento do caso. Algo que, na prática, pode trazer desafios insuperáveis, como a difícil responsabilidade de os advogados explicarem temas técnicos de enorme complexidade aos julgadores – e estes de entendê-los.
Aula 04 – O controle sobre a valoração da prova documental
A decisão de deixar a prova documental para o final do curso foi proposital. Os operadores do direito brasileiro, quase que de maneira unânime, conferem especial poder de convencimento às provas documentais. Ocorre que as causas desta conclusão parecem decorrer da limitação dos demais tipos de provas: a prova testemunhal não é confiável e a prova pericial, além de nem sempre ser necessária, é cara e demorada. A centralidade da prova documental, ou seja, parece decorrer da desconfiança em relação aos demais tipos. E eis a proposta da aula: se uma utilização adequada dos demais tipos de provas acarreta a sua valoração, quais os efeitos sobre a prova documental? É, como se percebe, um tema tanto interessante quanto essencial para qualquer operador do direito envolvido em resolução de disputas.
A problemática em relação à prova documental vai além. A verdade é que os documentos podem ser contextualizados segundo diferentes narrativas. O autor trata determinado e-mail como uma prova de responsabilidade do réu; e o réu faz exatamente o contrário – utilizando o mesmíssimo documento. Trata-se de um contexto em que os poderes de valoração do julgador se fazem absolutos: caberá a ele a identificação da narrativa que melhor lhe parece. Cria-se, assim, um ambiente instrutório de limitado controle pelas partes e de ampla discricionariedade do julgador.
Além disso, em sistemas como o brasileiro, em que cada parte fica com o ônus de produzir a prova para o seu caso, com acesso limitado a documentos do outro lado, é possível que a ênfase na prova documental desequilibre excessivamente os poderes entre os litigantes. Se alguma das partes tem mais acesso aos documentos que podem provar o caso, como garantir o devido processo legal? Não é de se espantar que nesses sistemas, o julgador assuma um papel muito mais ativo, por vezes ordenando uma parte a apresentar documentos que ele, o julgador, entende precisar para julgar o caso (ao invés de mandar uma parte compartilhar documentos potencialmente relevantes, para que a outra parte desenvolva sua defesa como achar adequado).